A Secretaria de Saúde do governo de São Paulo teria pago R$ 63,64 milhões a mais por aventais e hastes plásticas neste ano em comparação com o valor de aquisição desses mesmos itens em 2019.
A denúncia, à qual a reportagem teve acesso, foi feita ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério Público Federal em São Paulo pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL). Parte das aquisições foi feita com recursos repassados pelo governo federal.
O aumento nos valores varia entre 495% e 3.361,53%, segundo o documento. As compras não passaram por licitação, uma vez que foram feitas em caráter emergencial, em razão da pandemia de coronavírus.
Questionada, a Secretaria de Saúde respondeu que “é indevido […] comparar preços prévios à dispersão do novo coronavírus”.
Também justificou a variação alta nos valores por dificuldade para encontrar fornecedores com disponibilidade de material, bem como situações de prazos incompatíveis com o ritmo da necessidade da rede pública de saúde.
A secretaria afirma que, antes de fazer qualquer aquisição emergencial, faz uma pesquisa de preço com ao menos três empresas.
Especialistas ouvidos pela reportagem entendem que é necessária uma investigação sobre os fatos e que deveria haver mais transparência nas aquisições, mesmo em tempos emergenciais, com mais detalhes sobre as mercadorias compradas.
A compra de 500 mil unidades de hastes de plástico para coleta, usadas em exames para detecção do coronavírus, custou R$ 2,25 milhões. O valor por unidade foi R$ 4,50.
Em 2019, segundo dados do Sigeo (portal de compras da Fazenda estadual) usados pela denúncia, o mesmo item foi adquirido por R$ 0,13 – a mesma quantidade adquirida agora custaria, portanto, R$ 65 mil fosse mantido o preço.
A Secretaria de Saúde do governo afirmou que, desses contratos, dois já foram rescindidos, e um terceiro está em processo de rescisão, todos eles referentes a aventais descartáveis.
Um dos contratos, de R$ 152 mil, previa o preço de R$ 12,90 por item, mas foi cancelado por atraso na entrega.
Outro contrato apontado pela denúncia, de R$ 6,45 milhões, firmado com a empresa W.Jotta Comércio Ltda., tinha valor de R$ 709,5 mil, segundo o governo estadual. Houve atraso na entrega de parte do material e rescisão por descumprimento contratual.
A terceira compra, de R$ 3,3 milhões, formalizada com a empresa Dejamaro, também teve atraso na entrega e deverá ser cancelada, segundo a Secretaria de Saúde.
Em maio, o governador João Doria (PSDB) chegou a cancelar a compra de aventais adquiridos pelo estado após deputados denunciarem a transação ao TCE. Na ocasião, a empresa contratada era sediada em Itapevi e pertencia a um empresário da área de edição de livros.
Após o cancelamento, Doria trocou o fornecedor e o preço aumentou. Se na aquisição cancelada cada item saiu por R$ 12,90, na nova o valor era de R$ 14. A denúncia aponta ainda que a nova compra foi feita pelo mesmo setor do governo.
Se comparado com o valor pago pelo item em 2019 (quando custou R$ 1,45 a unidade), o aumento foi de 767%.
Para Danilo Carlotti, cientista de dados e professor do Insper, a pesquisa com três ou mais empresas não é garantia de que não houve superfaturamento. Ele também critica as descrições dos itens no portal de transparência estadual.
– Se as contratações são tão transparentes, deveria haver uma descrição melhor e padronizada dos itens que estão sendo comprados para que pudéssemos comparar os valores praticados nesses contratos com outras aquisições. Isso é uma falha – afirma.
Segundo Carlotti, a alta de preços pode ser decorrência da alta demanda pelos produtos durante a pandemia, mas precisa ser investigada.
– É fato que a situação da pandemia trouxe uma inflação nos preços desses produtos, mas isso não significa que as empresas não estejam se aproveitando da situação para inflar os preços de maneira absurda. O Código Penal prevê punição por práticas abusivas em casos de situação de calamidade pública. Essa possibilidade deve ser investigada – diz.
Carlos Ari Sundfeld, professor de direito administrativo da FGV, afirma que os tribunais de contas precisam verificar a denúncia de Giannazi e, eventualmente, fazer uma investigação se houver indícios de irregularidades.
– Apenas o sobrepreço em um momento como atual não significa irregularidade. É um problema, mas é algo enfrentado por muitos governos, já que há escassez na oferta de produtos na área da saúde. Como o Brasil inteiro está comprando [insumos hospitalares], os organismos de controle poderão verificar em que situações houve indício de relação indevida entre gestor e fornecedores – diz ele.
A punição pelo sobrepreço, segundo Sundfeld, só pode se dar se ficar comprovada má-fé de gestores públicos ou erro grosseiro na aquisição.
O Ministério Público Federal em São Paulo afirmou que a denúncia “está sob análise inicial”. O TCU diz que não localizou processos sobre as aquisições.