A Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) pediram à Justiça Federal a condenação da União em virtude da desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da falta de proteção aos povos indígenas na região do Vale do Javari, no Amazonas. As instituições querem que a União seja condenada a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 milhões.
Em caso de condenação, DPU e MPF pedem que o montante seja revertido em proveito dos povos indígenas isolados e aqueles de recente contato, por meio de repasse à Funai, com a apresentação de projeto e cronograma feito pelo órgão indigenista para sua execução.
O pedido foi feito na ação, movida pelo MPF e pela DPU, que tramita na Justiça Federal desde outubro de 2018. A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) também atua neste processo na condição de amicus curiae (amigo da corte). A peça é assinada pelos defensores públicos federais Renan Vinicius Sotto Mayor e Francisco de Assis Nascimento Nóbrega e pelo procurador da República Fernando Merloto Soave.
Os conflitos na região são acompanhados e objeto de denúncias pelas instituições há anos, bem antes dos assassinatos do servidor público federal Bruno da Cunha Araújo Pereira, indigenista especializado da Funai, e do jornalista britânico Dom Philips.
Na ação, as instituições pediram a regularização dos serviços em favor dos indígenas com objetivo de evitar mortes e a exploração indevida na região, e destacaram a desestruturação da Funai nos últimos anos. De acordo com DPU e MPF, isso refletiu diretamente na falta de execução de políticas públicas e na garantia de direitos fundamentais aos indígenas isolados e de recente contato.
“Todos os problemas estavam narrados e documentados na inicial e nos elementos que a acompanhavam. Todos os riscos oriundos do enfraquecimento das bases já eram de conhecimento da União e da Funai. Infelizmente, nada foi feito”, destacam as instituições em um trecho do documento, ao mencionar os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, além do homicídio do servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos, ocorrido em 2019.
Entre os pedidos feitos há quase quatro anos, consta a solicitação reiterada para que as bases das Frentes de Proteção Etnoambiental da Funai do Amazonas tivessem recursos humanos e materiais mínimos para o cumprimento efetivo de suas finalidades.
De acordo com o defensor público federal Renan Sotto Mayor, integrante do grupo de trabalho Comunidades Indígenas da DPU, desde o ajuizamento da ação, nada mudou. Segundo ele, a União e a Funai também não apresentaram argumentos capazes de contestar os fatos apresentados pela defensoria e pelo MPF, em relação à falta de recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros.
“Foi a falência desse modelo, modelo desenhado pela própria política indigenista do Estado, que resultou na falta de proteção territorial e na insegurança dos povos indígenas que habitam tais locais. No Vale do Javari, resultou na morte daqueles que, na omissão dos réus, agiram; que, na omissão dos réus, colocaram seus atos, sua segurança e sua vida em prol da proteção territorial daquela terra indígena; que, na omissão dos réus, sucumbiram. Na ausência do Estado brasileiro, eles estavam lá. Bruno Pereira e Dom Phillips, presentes”, denunciam DPU e MPF na petição.
“O indigenista e o jornalista referidos são a face mais recente e trágica do cenário esmiuçado na inicial da presente demanda. Eles deram a vida para registrar e enfrentar as ameaças que os territórios indígenas e seus povos sofriam. Lutaram por essa causa e por ela morreram”, completam.
Descumprimento de decisão liminar
Em manifestação apresentada nesta segunda-feira (4), a Defensoria Pública da União (DPU) informou à Justiça Federal que a Fundação Nacional do Índio (Funai) ainda não cumpriu a decisão judicial proferida no dia 14 de junho na mesma ação civil pública.
A DPU pede que a Funai seja intimada para que se manifeste, sob pena de imposição de multa pessoal ao presidente da fundação, sobre quais medidas foram tomadas para que não ocorram outras tragédias, anexando aos autos todos os procedimentos administrativos que foram abertos após o desaparecimento e a confirmação do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips.
O defensor público federal Renan Sotto Mayor, em visita realizada a Tabatinga e Atalaia do Norte no dia 30 de junho, ouviu os povos indígenas do Vale do Javari e autoridades da região. O defensor destacou o medo, o desespero e a sensação de total falta de segurança nos relatos de indígenas e servidores da Funai que atuam na região.
No documento, a DPU informa que não houve nenhuma medida de segurança por parte do órgão indigenista. “Observa-se que mesmo após a tragédia do assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, quando todo o mundo verificou a situação de omissão estrutural do Estado brasileiro na região, mesmo após uma decisão judicial determinando que a Funai tomasse medidas, ao que parece, não houve qualquer medida nesse sentido”, destaca.
No dia 14 de junho, após pedido da DPU, a Justiça Federal já havia determinado que a Fundação Nacional do Índio (Funai) providenciasse medidas de segurança pública a seus servidores e aos povos indígenas no Vale do Javari (AM).
A Defensoria destacou, na petição, que as forças de segurança pública deveriam garantir a integridade física dos servidores da Funai e dos povos indígenas em todas as Bases de Proteção do Vale do Javari – Quixito, Curuçá e Jandiatuba -, bem como nas sedes das coordenações regionais do Vale do Javari e da Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari.