Muito mais do que um gol contra proposital! Após mais de um mês de investigações, o A CRÍTICA apresenta informações que evidenciam o envolvimento direto do presidente do Atlético Amazonense, Henrique Barbosa, e do diretor de futebol do Tarumã, Júnior Bahia, em esquemas de manipulação de resultados. Falando primeiramente do Atlético, o clube iniciou a Série B sem levantar muitas suspeitas, mas no dia 7 de agosto, no duelo contra o Librade, o que se viu foi um tremendo ‘show de horrores’.
No duelo em questão, o Atlético vencia a partida por 2 a 0 até os 25 minutos do primeiro tempo, mas boa parte do elenco começou a ‘facilitar o trabalho’ do Librade, que virou para 3 a 2 ainda na etapa inicial e, por fim, venceu por 4 a 3. Chama atenção o fato de que mesmo sem ficar na área técnica, Rodrigo Fonseca – treinador do Atlético na época – teve seu nome registrado na súmula, como se tivesse comandado a equipe. Ao A CRÍTICA, Rodrigo relata o que houve naquele dia, o último como treinador do clube.
Pessoas presentes no estádio da Colina viram a discussão na porta do vestiário entre Rodrigo Fonseca e Henrique Barbosa, no qual o técnico proferiu vários xingamentos ao presidente do clube. Rodrigo confirmou a informação e disse ainda que ficou dentro do vestiário durante todo o duelo com o Librade, preocupado com sua segurança.
Através de informações obtidas com pessoas ligadas ao clube, Henrique teria dito aos jogadores na reapresentação do elenco que ‘não montou time para ser campeão, mas para ganhar dinheiro’. Na mesma semana, o Atlético Amazonense publicou uma nota, informando a mudança da comissão técnica, que nas últimas rodadas, passou a contar com Naylson Bentes no comando.
Em casas de apostas, a vitória do Librade chegou a ter a ‘odd’ 21. Ou seja: o valor apostado é multiplicado por 21, uma cotação muito alta. A reportagem teve acesso a um bilhete feito nesta cotação, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) e de uma conversa na qual uma pessoa afirma que os jogadores do próprio Atlético apostaram contra si.
Gol contra
O gol contra marcado pelo Atlético Amazonense no último domingo (4), por Edirley Júlio Batista Campos, foi o lance que mais chamou atenção do futebol brasileiro neste final de semana. O volante é filho de Edirley Campos, um dos fundadores e ex-presidente do Atlético. O camisa 8 não sofreu qualquer tipo de represália, mas sim outro atleta do clube, o zagueiro Otávio, que precisou se proteger no vestiário do Sul América. O motivo foi explicado em áudio via WhatsApp, repassado para a nossa equipe de reportagem por um ex-jogador do Atlético, que prefere não ser identificado.
O gol contra pode ser visto no último lance do vídeo:
“A missão era a gente perder o primeiro tempo e virar no segundo tempo. No primeiro tempo foi tudo certinho, com 1 a 0 pros caras. O Otávio era um dos melhores em campo, mas teve um lance onde ele errou e a bola foi pro gol. O presidente (Henrique) começou a xingá-lo e mandou que tirassem ele de campo, mas não o tiraram. Perderam a esperança de ganhar e apostaram que o time adversário faria um gol, só que eles (Sul América) não quiseram, pois já tavam ligados que a gente queria fazer um pênalti. Foi aí que o Júlio bateu pro gol e o presidente ficou p***, porque achou que o Otávio tinha feito uma aposta contrária a dele. Iam pegar ele lá dentro (vestiário) e ele saiu correndo, abandonou as coisas dele e foi pro vestiário do outro time, que ajudaram ele a fugir”.
Técnico da equipe do Sul América, Pedro Machado fala basicamente o mesmo a respeito do que ocorreu no jogo do último domingo. Além disso, diz que uma pessoa saiu do banco do Atlético para pedir que o goleiro entregasse o gol. Na filmagem publicada pelo Futebol Amazonense – canal no YouTube -, é possível ver que o massagista do Atlético, Edson Do Nascimento Barros, está próximo do goleiro durante o momento do gol contra.
“No primeiro tempo, o Atlético Amazonense não jogou. No segundo, eles partiram pra cima, mas abrimos 2 a 0, eles descontaram pra 2 a 1 e, depois de um tempo, fizemos 3 a 1. Quando viram que não iam conseguir virar, um cara saiu do banco de reservas deles, foi até o goleiro e pediu para ele entregar o gol. Eles foram recuando a bola até o goleiro, mas o goleiro não quis participar disso e entregou a bola no pé do cara (Júlio). Nem estávamos marcando eles e esse cara (Júlio) simplesmente mandou no gol dele, contra. Ninguém entendeu”.
Início das investigações
No domingo do dia 31 de julho, uma partida da Série B entrou na ‘lista de jogos suspeitos’. Até os 43 minutos do segundo tempo, o Tarumã vencia o Librade por 2 a 1, mas aos 44 e 45 minutos, o Papagaio do Norte conseguiu a virada. Nos dois gols marcados em sequência, a bola foi entregue de presente ao Librade, com os atletas do Tarumã errando passes simples e mostrando completo desinteresse em recuperar a pelota. Com apenas um ponto conquistado em sete jogos, o Lobo do Norte é o lanterna da segunda divisão estadual.
Presidente da K&J Soccer Agents, Júnior Bahia é citado, pelo responsável de um ex-atleta da base do Tarumã, como principal motivo das derrotas alvirrubras. O dirigente estaria obrigando os jogadores da equipe sub-19 do clube a entregarem os jogos, tanto na categoria de base quanto no profissional.
“(Bahia) Ameaçava os garotos no vestiário, tirei o atleta do clube por isso, ainda queriam que ele ficasse pra jogar o profissional. Viu a derrota do Tarumã (para o Librade)? Coisa ridícula. Minha indignação é pelo sonho de todos esses garotos, sendo jogado fora. Nem os jogos na várzea são vendidos igual como está sendo, é revoltante. Fora a alimentação, que era muito ruim, só macarrão com salsicha. Café da manhã era só o pão, sem manteiga”, afirma a fonte em conversa ao A CRÍTICA.
Uma outra fonte entrou em contato com a reportagem e detalhou a precisão com que é feito o momento de entrega por parte do Tarumã. No áudio, novamente Júnior Bahia é citado, além de Thiago Soeiro, condenado pelo Tribunal de Justiça Desportiva do Estado do Rio de Janeiro, em julho de 2020, por suspeita de manipulação de resultados, sendo banido do esporte e multado em R$ 60.000,00. Na época, Soeiro trabalhava como auxiliar técnico do Atlético Carioca, na 3ª divisão estadual do RJ.
“Estava ele (Bahia), o Thiago e outros caras. O código deles era só (Thiago) levantar a mão, que o irmão dele (Gabriel Soeiro, lateral-esquerdo), que tá jogando no Tarumã, já falava pro pessoal. Esse Bahia é o mesmo que estava no Iranduba em 2021, quando o clube foi saco de pancadas”. Em 18 de agosto, foi noticiado que Gabriel Soeiro foi negociado para uma equipe de Portugal, o Rio Maior Sport Clube, através da parceria com a K&J Soccer Agents.
Sem Gabriel Soeiro na equipe, nada mudou e as suspeitas de manipulação seguiram acontecendo. No dia 21 de agosto, o Tarumã foi derrotado pelo CDC Manicoré por 6 a 0. Na derrota em questão, o CDC teve três pênaltis marcados a seu favor. Três dias depois (24/8), nova derrota para o Sul América, desta vez por 2 a 1. A equipe perdeu o primeiro tempo por 1 a 0 – em falha clamorosa da defesa -, empatou na etapa final, mas aos 45 minutos, uma nova falha bizarra da defesa garantiu o 2 a 1 a favor do Sulão.
Depoimento
Em vários áudios enviados para a reportagem, um jogador que hoje faz carreira na região Sudeste do país falou sobre o período que passou atuando no Amazonas. Este ano, o atleta esteve no Penarol, mesmo período em que Henrique Barbosa atuou no clube como gestor de futebol. Vale lembrar que o clube acabou rebaixado para a Série B do Amazonense de 2023.
“Ano passado eu tava treinando no Penarol, daí quando fomos para o primeiro jogo, chegaram com o treinador para saber se ele aceitava, por tal valor, perder de 2 a 0. O treinador na época era o Maurílio (Silva) e na mesma hora ele deixou o clube. Alguns jogadores fecharam a cara e não aceitaram, enquanto outros sim. Tá muito escancarado aí no Amazonas, principalmente na base, onde os caras já estão querendo fazer a cabeça dos moleques”. Até o fechamento desta matéria, a reportagem não obteve resposta de Maurílio Silva para confirmar a informação do atleta.
Sobre o Tarumã, o atleta não poupou críticas, afirmando que é a maior máfia que existe no estado.
“Às vezes que vi foi com os próprios e através de pessoas que são contra. Lá no Tarumã é aquele Júnior Bahia e o Lucas Castro, que é ruim, mas é titular e faixa (capitão). Eles dizem ser sócios de uma empresa de jogadores (K&J), mas é mentira. Eles trazem jogadores de fora, que pagam para jogar e completam com os jogadores de Manaus. Falam que você tem que deixar fazer gol, que daí pagam tanto. No primeiro tempo faz um pênalti, no segundo faz outro… A maior máfia que tem aí no Amazonas é a do Tarumã, depois vem a do Henrique, no Atlético”.
Base do Tufão dá aula de ética
Como forma de proteger o trabalho que vem sendo desenvolvido com os jovens atletas do São Raimundo, o diretor de futebol de base do clube, Cícero Júnior, explica ao A CRÍTICA que, tanto a comissão técnica quanto a própria diretoria alviceleste, fazem o possível para servirem como um ‘espelho de ética’.
Tal atitude com a garotada vem refletindo não apenas fora de campo, mas dentro também. No Campeonato Amazonense Sub-19, o Tufão da Colina avançou para a fase de quartas de final com 100% de aproveitamento, com 8 vitórias em 8 jogos disputados, sendo líder absoluto do grupo B da competição e longe de qualquer suspeita de manipulação.
“Além disso, a gente mostra para os meninos que sabemos como se comportam as pessoas que se entregam para esse tipo de situação. Dentro de campo, se observarmos algum comportamento maléfico, iremos tirar o menino e mostrar que isso tem consequências”, afirma o diretor da base alviceleste.
Perguntado pela reportagem se já presenciou alguma atividade, que pudesse ser caracterizada como ‘entrega’ por parte de adversários, Cícero pontua que tudo o que tem são suspeitas, lamentando o fato de que sem provas, fica difícil dar fim ao que considera ‘um mal danado ao futebol’.
“Tenho suspeitas do estadual sub-20 no ano passado, mas são apenas suspeitas. Jogadas bisonhas, gols totalmente descabidos. Tem muitos rumores de garotos que falam ‘já tô com o meu no bolso mesmo, tô nem aí’, ou então ‘bora, falta mais um gol’, mas são apenas rumores. As pessoas têm medo de levar isso adiante, tem alguma preocupação ou não se importam, acham que não vai prejudicar”, declara o diretor, que finaliza falando sobre os prejuízos causados por tais atitudes.
“Tem jogador que fica extremamente decepcionado, pois viaja com um sonho de jogar na base e acaba largando o futebol, porque o que ele vê é uma ‘entrega total’ dos companheiros. É como escrevi uma vez: não basta a gente se preocupar em montar estrutura, correr atrás de recursos, fazer as coisas certas. A preocupação agora é você saber que tem pessoas que podem estar vendendo o seu trabalho sem você perceber”.
Resposta do Atlético-AM
Em nota à imprensa, o Atlético Amazonense diz ter sido vítima de sabotagem e diz ter pedido a impugnação do jogo para o Tribunal de Justiça Desportiva do Amazonas, a fim de refazer a partida e tentar conseguir a classificação para a próxima fase. O clube possui 6 pontos e enfrenta nesta quinta-feira o Tarumã, às 15h, no estádio da Colina. Confira a nota na íntegra:
O Sport Club Atlético Amazonense, em vista da grave sabotagem que sofreu na partida contra o Sul América Esporte Clube quando ainda lutava pelo acesso à série A estadual, vem tornar público o que segue.
Antes de qualquer coisa é fundamental deixar claro que a maior vítima desse acontecimento é o Atlético Amazonense. No início da 8ª rodada tínhamos sete pontos, e se vencêssemos chegaríamos a dez. Isso nos levaria à última rodada com possibilidades reais de ultrapassar o RB do norte na luta pela 4ª vaga. Na última rodada nós enfrentaríamos o lanterna que não venceu nenhum jogo, e o RB enfrentaria o líder, que venceu todos os jogos. Nós vencendo o lanterna e o RB perdendo pro líder invicto finalizaria a tabela com 13 pontos nossos, contra 12 do RB, e consequentemente estaríamos na semifinal. É óbvio que tínhamos chances altamente reais de conquistar a vaga e nosso desejo era lutar por ela até o último minuto.
A atitude anti-ética do atleta sepultou qualquer anseio de nossa equipe e deixou claro que o atleta desde o início da partida estava decidido a sabotar sua própria equipe.
A nós soa claro que há forte indício de atuação para manipulação de resultado. Não permitiremos que essa injustiça passe impune. No mesmo dia do jogo o atleta foi sumariamente desligado do elenco. Já acionamos o Ministério Público estadual para que investigue o fato. Apresentamos ao TJD/AM pedido de impugnação da partida, pois não há dúvida de que houve acontecimento particular com influência no resultado da partida, nos subtraindo a possibilidade de luta pelo acesso. Nas próximas horas apresentaremos também notícia de infração ao TJD/AM para que responsabilize o atleta na forma dos arts. 243 e 243-A, do CBJD.
Resposta do Esporte Clube Tarumã
Com base em todas as informações obtidas por A CRÍTICA, a reportagem entrou em contato com o presidente do Tarumã, Aldemir Maquiné, que enviou a seguinte nota:
Como já externamos, em outros veículos de comunicação especializados em cobertura esportiva, caso o clube tome comprovadamente conhecimento de quaisquer conduta de atletas ou dirigentes envolvidos com manipulação de resultados fará chegar às autoridades competentes e adotará as devidas medidas e procedimentos internos.
Esclarecemos que nossa campanha no Sub19 e no início da Série B não tem haver com manipulação de resultados e sim com os seguintes fatores:
1: A alteração do calendário da competição Sub19, por falta de disponibilidade de campo, prejudicou a programação e preparação do elenco, aliado às questões de saúde familiar que obrigaram o Treinador a deixar o comando técnico da equipe no meio da competição;
2: A alteração do calendário do Sub19 que gerou conflito com a Série B (as competições ocorreram simultaneamente) e a saída do Treinador do Sub19, que também seria o Treinador do Profissional na Série B, comprometeu a Preparação da equipe Profissional, pois fizemos o mesmo planejamento da temporada 2021 qual seja: Utilizar a mesma Comissão Técnica do Sub19 no Profissional e promover alguns atletas da Base para o Profissional que é a Filosofia de Trabalho do Clube o que infelizmente não foi possível.
Fonte: A Crítica