“A descriminalização do aborto representa uma inversão total de valores e o reconhecimento do assassinato de crianças indefesas como um simples direito humano, o que é algo contraditório em uma sociedade dita civilizada”. A afirmação foi feita nesta quinta-feira (23) pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE) durante sessão de debate temático sobre a competência do Poder Legislativo e o ativismo judicial.
O debate, realizado no Plenário do Senado, foi motivado por decisão da ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, que votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto) nas primeiras 12 semanas de gestação. Ela foi relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que começou a ser julgada em sessão virtual em 22 de setembro. Suspenso por pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, o julgamento prosseguirá em sessão presencial do Plenário, em data a ser definida. A discussão sobre a descriminalização do aborto foi provocada no STF pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), autor da ação, e chegou a ser objeto de audiência pública em 2018 convocada pela própria Rosa Weber. O objetivo era debater o tema com especialistas e representantes de entidades governamentais e da sociedade civil.
— Tanto o Psol como o PT tentaram várias vezes nos últimos anos avançar na legalização de projetos [descriminalizando] o aborto, mas todas as iniciativas foram rechaçadas pelo Parlamento, em ampla sintonia com a ampla maioria da sociedade brasileira — afirmou Girão.
Proponente do debate, Eduardo Girão destacou ainda que não cabe ao STF atuar como legislador positivo e que a revogação do aborto só pode ser feita por lei do Congresso Nacional, por se tratar de matéria penal. Ele também afirmou que a descriminalização do aborto contraria a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que representam atos de direito internacional públicos ao qual o Brasil aderiu.
— O STF deveria recusar a ação do Psol, que se utiliza de modo impróprio para instrumentalizar o Supremo para consolidar seus objetivos, que tem apoio em uma minoria dos brasileiros. Visa criar jurisprudência para avançar cada vez mais na cultura da morte. Cabe ao Senado e à Câmara cumprir as suas prerrogativas constitucionais e garantir o dever da vida a todos os seres humanos. A ação sequer devia ser acolhida e estimula indevidamente o ativismo judicial — afirmou.
“Aborto do direito”
Jurista e ex-secretária nacional da família, Ângela Gandra disse que o país tem vivido um “supremo ativismo”, distante de interpretação fundamentada na letra e no espirito da Constituição. Ela ressaltou ainda que a legalização do aborto contraria diversos dispositivos legais e acordos internacionais que contam com a adesão do Brasil:
— Estamos vivendo a maior crise jurídica da história do Brasil, porque na última voz não temos segurança. A ADPF 442 tem um nicho oportunista e foi buscar de forma politicamente imatura a bênção paternal do Supremo, sem discutir entre seus iguais na Casa do povo, um tema de fundamental importância a cada cidadão. A ADPF é um aborto do direito, abortaram o direito, é a usurpação da competência. Existe um ativismo político, econômico e ideológico.
“Direito básico, anterior”
Professora aposentada do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB), Lenise Garcia disse que a legalização do aborto é um tema que “nem deveria ser debatido, visto que o direito à vida é um direito básico, anterior”:
— Não temos como definir juridicamente, não temos o poder de gerar ou terminar a vida, terminar com ela não pode jamais ser um direito. A ADPF 442 é contraditória, faz gradação de direitos, como se aquele que viveu mais tempo tivesse algum direito. É contraditório marcar um prazo de doze semanas e é uma abertura futura para que se aprove o aborto a qualquer momento. É um argumento jurídico que vai contra a própria natureza, que valoriza mais o futuro que o passado. A natureza valoriza quem está vindo, nós temos que passar o bastão para as próximas gerações, assim sempre fez a humanidade — afirmou.
Planejamento familiar
Médica e conselheira federal de medicina pela Paraíba, Annelise Meneguesso destacou que a legislação prevê o aborto apenas em três situações legais, em decorrência de estupro, risco à vida da gestante e diagnóstico de anencefalia. Ela defendeu o fortalecimento de políticas públicas de saúde, planejamento familiar e ações que garantam emprego, saúde e segurança à mulher.
Coordenadora de Bioética do Movimento da Cidadania pela Vida, a médica ginecologista Elizabeth Kipman disse que a intenção da ADPF 442 é “retirar a sacralidade, a intocabilidade da vida e o respeito às pessoas, caminhando para chegar à liberação total do aborto”.