Dados da Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam) apontam que 54 abortos legais foram realizados em Manaus nos últimos dois anos e meio. Os números são de procedimentos feitos no Instituto da Mulher Dona Lindu, na capital, nos anos de 2018, 2019 e até junho de 2020.
Recentemente, a história de uma menina de dez anos, que engravidou, após ser abusada sexualmente durante quatro anos pelo tio, reacendeu o debate sobre o aborto no Brasil. A menina teve o aborto autorizado pela justiça, mas precisou viajar de São Mateus, no Espírito Santo, para Recife, em Pernambuco, para realizar o procedimento, já que o hospital onde a menina foi atendida se recusou a fazer o aborto, alegando que a idade gestacional não estava amparada pela legislação vigente.
O Código Penal Brasileiro (Art.128, I e II) só permite a realização do procedimento em duas situações: se a gravidez resultar de estupro ou se não tiver outro meio de salvar a vida da gestante. Uma terceira modalidade que também passou a ser permitida, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é no caso de feto anencéfalo, ou seja, que não possui atividade cerebral.
Em 2018, segundo a Susam, foram realizados 17 procedimentos legais no Estado. Já em 2019, o número teve um aumento: 26. Até o fim do primeiro semestre deste ano, outras 11 mulheres também procuraram o Instituto para a realização da interrupção da gravidez. As causas que motivaram os procedimentos não foram divulgadas.
Na Justiça, apenas um caso foi analisado no mesmo período de tempo. Segundo o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), o caso foi de uma criança de 12 anos, de Manaus, vítima de violência sexual pelo pai e que, na ocasião, ficou grávida. No entanto, apesar do pedido da vítima e da família, o procedimento não foi realizado em decorrência do estado avançado da gravidez quando a Justiça foi acionada.
De acordo com o Tribunal, em Manaus, existem duas varas especializadas no atendimento às crianças e adolescentes que foram vítimas de abuso sexual. No entanto, no caso de estupro, uma Portaria do Ministério da Saúde (Nº 1.508/2005) diz que o procedimento não precisa de autorização judicial. Os critérios para a realização são:
- a gravidez deve resultar de estupro;
- deve haver o consentimento da gestante ou de seu representante legal, se for incapaz;
- o procedimento deve ser realizado por médico;
- não precisa de autorização judicial, nem mesmo registro do boletim de ocorrência, dispensa condenação judicial pelo crime sexual e processo criminal em andamento.
A Portaria do Ministério da Saúde (Nº 1.508/2005) diz que o procedimento precisa seguir quatro fases:
- A primeira fase é constituída pelo relato do evento, realizado pela própria gestante, perante dois profissionais de saúde. A partir dele, será elaborado um Termo de Relato Circunstanciado, que trará informações sobre o crime;
- A segunda fase será realizada pelo médico responsável, que emitirá um parecer técnico após a realização exames ginecológicos, laudo ultrassonográfico e demais exames complementares que porventura houver. Paralelamente, a mulher deverá receber toda atenção da equipe de saúde, que deverá envolver profissionais de diversas áreas;
- A terceira fase, segundo o artigo 5º da portaria, consiste na assinatura da gestante no Termo de Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal;
- Por fim, na última fase do procedimento, consiste na elaboração e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Uma outra norma técnica do Ministério da Saúde também sobre o aborto explica que a interrupção da gravidez precisa acontecer até a 20ª-22ª semana e com o feto pesando menos de 500g.
O aborto também pode ser realizado se não existir outro meio de salvar a vida da gestante. Nesse caso, o procedimento deve, necessariamente, ser realizado por médico. Segundo o TJAM, não é necessário o consentimento da gestante, bastando que o médico, profissional competente para a análise do quadro clínico, decida pela necessidade ou não do aborto. O caso também não necessita de autorização judicial.